Hemácias Cogumelo e COVID-19: Exames de uma doença sistêmica
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Estudos demonstram que a COVID-19 deve ser considerada uma doença sistêmica, pois além do trato respiratório ela envolve também os sistemas: hematopoiético, imunológico, gastrointestinal, cardiovascular e neurológico.
Como os resultados hematológicos podem contribuir para o manejo clínico?
Além do seu papel central no diagnóstico da COVID-19, com a detecção específica do SARS-CoV-2, o laboratório clínico também fornece informações importantes aos médicos sobre o curso da doença e a sua gravidade. Com base em diversos estudos, os resultados de exames hematológicos podem fornecer à equipe clínica muitos marcadores prognósticos. Os resultados disponíveis estabelecem o laboratório de hematologia clínica como um parceiro importante na triagem e manejo dos pacientes afetados.
Hemograma
O hemograma completo é o exame hematológico composto pela contagem de células vermelhas do sangue (eritrograma), de células brancas (leucograma) e a contagem de plaquetas.
Eritrograma
As hemácias, ou eritrócitos são células que realizam o transporte de oxigênio na corrente sanguínea. No eritrograma, os índices referentes ao número de hemácias e a concentração de hemoglobina podem revelar condições como a perda de sangue, desidratação, anemia de diferentes causas entre outras situações. Certos distúrbios nesse tipo celular levam ao quadro conhecido como hipóxia, situação em que há falta de oxigênio nos tecidos e órgãos. Em alguns casos de hipóxia pode haver alterações no formato das hemácias.
A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 que causa a COVID-19, pode reduzir o nível de oxigênio no sangue de muitos pacientes e apesar de alguns não se queixarem da falta de ar, podem apresentar queda perigosa e silenciosa da saturação de oxigênio sanguíneo (SpO2<95%). Mesmo nos casos em que a dispneia (dor ao respirar) não esteja presente.
Hemácias cogumelo
Após observar a presença incomum de hemácias com formato de cogumelo (hemácias cogumelo) no esfregaço de sangue de um paciente de 55 anos, que teve o diagnóstico confirmado por PCR para a COVID-19 (Fig.1). Pesquisadores revisaram as lâminas de outros 49 pacientes com a doença, em busca de alterações morfológicas. Eles constataram que todos os 50 pacientes apresentaram alterações no formato das hemácias, sendo:
- Anisocitose – quando há diferença de tamanho entre as células (66% dos casos);
- Esferócitos – células pequenas, com formato esférico e sem o formato bicôncavo característico desse tipo celular (52%);
- Estomatócitos – células com halo central achatado (34%) e
- Policromasia – as hemácias aparecem com a coloração róseo-azulada e sem o halo central (30%).
Além disso, as células em forma de cogumelo foram visualizadas em 33 pacientes (66%). Esses achados sugerem que a infecção por SARS‐CoV‐2 pode ter um impacto significativo na fisiologia dos glóbulos vermelhos, com um papel no estresse oxidativo.
Figura 1 – Imagem de esfregaço de sangue em microscopia. As setas indicam as hemácias cogumelo
Leucograma
O leucograma é a contagem diferencial de leucócitos e neste são mensurados os leucócitos do tipo neutrófilos, linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos, sendo realizada em menos de 1 minuto em analisadores hematológicos automatizados. Após a contagem das células sanguíneas, elas são observadas em um esfregaço em lâmina através do microscópio óptico, para avaliação da integridade celular, do aspecto morfológico e busca por achados relacionados à diversas patologias.
Os leucócitos são as células do sistema imune responsáveis pela defesa do organismo. A reatividade nessas células pode estar relacionada à infecção viral ou bacteriana, nesses casos é comum encontrar linfócitos reativos, vacuolizações e granulações tóxicas.
Leucócitos e a Covid-19
Achados laboratoriais gerais na infecção por SARS-CoV-2 indicam alterações na contagem geral de leucócitos, podendo haver elevação ou queda no nº de leucócitos (leucocitose ou leucopenia), com acentuada queda no número de linfócitos (linfopenia de 35%-75%) nos estágios iniciais da doença, além de presença de grande número de neutrófilos (neutrofilia), que tem sido relacionada com um prognóstico ruim.
Plaquetas
As plaquetas são fragmentos de megacariócitos que possuem papel crucial na coagulação do sangue. A sua contagem também é realizada pelos equipamentos de hemograma e a visualização em microscopia é importante para relatar no laudo casos de agregação plaquetária (plaquetas em grumos), queda no número de plaquetas (trombocitopenia) ou da sua elevação (trombocitose). A trombocitopenia está relacionada à maior possibilidade de sangramento, enquanto a trombocitose pode ter relação com quadros de trombose.
Plaquetas e a Covid-19
Vários estudos sugerem que a trombocitopenia está associada à gravidade da doença. A trombocitopenia é característica em pacientes graves está relacionada a uma descompensação fisiológica, assim como a possibilidade do desenvolvimento de coagulopatia intravascular, evoluindo para a coagulação intravascular disseminada. Observou-se que há uma queda considerável no número de plaquetas, especialmente em não sobreviventes.
Em alguns pacientes hospitalizados com a COVID-19, lesões alveolares extensas podem estar presentes, sendo os danos pulmonares causados pela infecção viral e também pelo alto fluxo de oxigênio imposto pelos respiradores artificiais. A lesão do tecido pode levar à ativação, agregação e retenção de plaquetas nos pulmões e à formação de trombo no local lesionado. Esta situação pode levar à depleção de plaquetas e megacariócitos, resultando em diminuição da sua produção e aumento do consumo.
Coagulação
Os distúrbios da coagulação são relativamente frequentes entre os pacientes com COVID-19, especialmente entre aqueles com doença grave. Em um estudo retrospectivo verificou-se que 46,4% dos pacientes com infecção confirmada apresentaram aumento dos valores de dímero D, sendo os resultados mais altos observados nos casos mais graves. Outro estudo confirmou que os níveis de dímero D e de tempo de protrombina (TP) apresentavam valores elevados em casos que exigiram mais cuidados e de tratamento intensivo.
De acordo com os critérios de diagnóstico da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH) para o diagnóstico da Coagulação Intravascular disseminada (CID), 71,4% dos pacientes que não sobreviveram à pneumonia associada a COVID-19 tiveram diagnóstico confirmado de CID. Entre os sobreviventes, apenas um paciente teve o diagnóstico de CID confirmado. Nos casos da COVID-19, os valores de dímero D, TP e dos produtos de degradação da fibrina (PDF) são especialmente preditivos da progressão da doença, portanto, seu monitoramento de rotina se apresenta como um marcador confiável da evolução do quadro.
Técnica de coleta
Para a análise satisfatória de todos os parâmetros envolvidos em exames hematológicos é necessário a correta técnica de punção venosa, que inclui o volume adequado da amostra, bem como a homogeneização padrão e imediata dos tubos e a condição de transporte preconizada pelo fabricante.
Qualidade dos tubos e anticoagulantes
A qualidade do material utilizado nos tubos e anticoagulantes específicos ETDA e o Citrato de sódio, são cruciais para a garantia da qualidade dos resultados automatizados do hemograma, assim como para a avaliação microscópica das hemácias, leucócitos e plaquetas e liberação de resultados fiéis do coagulograma.
Resultados de exames hematológicos como o hemograma e coagulograma são importantíssimos para o monitoramento e prognóstico de pacientes com a COVID-19. Eles podem revelar precocemente situações de hipóxia e distúrbios da coagulação que se não forem corrigidos a tempo podem levar rapidamente o paciente à morte.
Produtos FirstLab:
Referências:
- Gérard, D., Ben Brahim, S., Lesesve, J.F. and Perrin, J. Are mushroom‐shaped erythrocytes an indicator of COVID‐19?. Society for Haematology and John Wiley & Sons Ltd. British Journal of Haematology, 2021, 192, 230. https://doi.org/10.1111/bjh.17127
- http://www.rbac.org.br/artigos/covid-19-e-o-laboratorio-de-hematologia-uma-revisao-da-literatura-recente/
- https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1676-24442020000100302&script=sci_arttext&tlng=pt
- https://www.saude.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-09/NO_47_SINDROME_RESPIRATORIA_POR_COVID_19_COM_OXIMETRIA_DIGITAL_95%20_V1.pdf
- https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442012000400001
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